I COE - VI Desafio

Texto vencedor por Lénia Rufino (Marianne)

Tinha treze anos e não sabia muita coisa. Mas sabia que adorava palavras, histórias, vidas transformadas em textos, textos convertidos em livros, livros metamorfoseados em horas de prazer. Um dia, com as entranhas reviradas pelo Massacre de Santa Cruz, em Díli, escreveu um poema. Depois, milhares de poemas. Não é eufemismo – foram milhares de poemas escritos em dezenas de cadernos que a acompanhavam para todo o lado. Escrevia como respirava. Lia mais ainda. E percebeu rapidamente que, se o mundo corresse de feição, a sua vida seria passada a escrever. Mais do que um gosto, uma paixão. Talvez fosse o seu único talento. Era na escrita que se tornava humana. Era nas palavras que matava a solidão. Escrevia porque precisava de escrever para viver. E escrevia porque só escrevendo se sentia feliz.
Cresceu e nunca deixou de escrever. Foi guardando palavras em gavetas, como quem guarda tesouros que um dia há-de revelar.
Um dia, desafiada como quem se encontra perante um abismo, inscreveu-se num concurso de escrita. Pensou que, no limite, lhe serviria para se exercitar, para escrever sob as ordens de outra pessoa, sem estar apenas à mercê do que a imaginação lhe ditasse na altura. Escreveu. Sorriu perante os textos que lhe nasceram nas mãos, escreveu e apagou, até ter tudo conforme queria. Esperou ansiosa pelos resultados dos desafios e foi pensando que não estava a sair-se mal.
Surpreendeu-se com o final do concurso. Venceu e não esperava. Mentira: queria e esperava vencer. Porque queria escrever e sabia que este era um degrau que poderia levá-la longe. E levou. Continuou a escrever, editou livros, mereceu prémios mas o que a fez sentir que cumprira a sua missão foi chegar aos sessenta e muitos anos e perceber que tinha imensos leitores fiéis, que davam sentido a esta vida feita de palavras e histórias vivas.
É este o seu legado: as palavras, as histórias, as personagens a que deu vida. Criou mundos para lá do mundo, gerou conflitos que aplacou com inteligência, matou pessoas e fez nascer heróis, mudou o curso da história, destruiu civilizações, deu voz a seres inanimados, trouxe às palavras o bater do coração de todos os que só existem na sua imaginação.
Fez-se escritora e cumpriu-se enquanto pessoa. Orgulha-se de que o primeiro concurso literário que venceu tenha sido o I Concurso Online de Escrita.