Texto vencedor por Storm Of Life:
Oh não, lá vem aquela luz, e eu
sei, embora saiba por pouco tempo, tudo o que sucede daqui em diante. Não, não quero
sair! Que ferros são esses que me puxam e aleijam!?!? Estou tão bem aqui
quentinho.
O mundo é cruel! E quem te diz é
a palmada que se avizinha assim que me tirares daqui.
Não, não queeeerrrr.... pronto!
Já sabia que não me iam deixar ficar!
Aiiii!!! Eu chorava sozinho,
pá!!! Era preciso mesmo bater? Que raio de forma de começar a viver!
Passam a vida a passar
ensinamentos que na prática ninguém usa. Oh, eu também já fui assim! Apregoei
anos a fio palavras cultas que transmitiam paz e serenidade mas na verdade era
cruel por dentro, a ironia e o sarcasmo estavam sempre presente. Mas os outros
não viam, nunca vêem!! São demasiado egoístas para nos olhar de verdade, por
dentro! Só olham para o pacote exterior! Como se ele não servisse para apenas
nos transportar.
Bem, vai começar tudo de novo.
Aprender a sugar para sobreviver, a andar, a falar, a escrever. Aprender a cair
e a levantar-me. Levar uns socos da vida. O primeiro beijo, o primeiro amor, o
primeiro desgosto. A primeira vez que se deseja que a vida termine, quando ela
não passa de um circulo vicioso, que nos deixa tontos e nos faz passar por tudo
uma e outra vez, e mais outra e outra...!
Depois entra tudo numa rotina,
conclusão de estudos, trabalho, casamento, filhos, mesmo que a ordem não seja
invariavelmente esta, os acontecimentos são.
Ainda não descobriram que a morte
não é mais do que um renascimento...
Hummm... que colinho macio o de
uma mãe, quase que diria que por isto vale a pena renascer.
E o que é isto que se sente
dentro de nós que nos apaga a memória mas nos enche a alma? Ahhh... O amor...
ele vai me fazer esquecer de todas as minhas vidas passadas e viver esta vida em
pleno, tal como a primeira vez.
Onde é que eu estava mesmo antes de nascer, mãe? E quando for velhinho,
vou para o céu? É verdade que antes de morrer vemos uma luz, mãe? E se eu não
quiser seguir essa luz, mãe? Ela puxa-me?
Texto vencedor por AnaLu:
Morreste-me em Agosto, no primeiro dia, quando a vida estava
mesmo a começar. Não chegaste sequer a saber. Eu havia guardado tudo para mim
como um fogo do qual só se pudesse ter notícia quando extinto. E por isso tu
foste sem saber.
Lisboa era intenção e promessa. Iamos viver juntas outra vez
e criar, finalmente, o nosso espectáculo de teatro. Disseste-me, para a semana
ligo-te e planeamos tudo.
Para a semana ligo-te
e planeamos tudo.
Durante os quinze dias em que estiveste em coma eu encontrei
trabalho num dos meus sítios preferidos da cidade. E esperei, pacientemente,
para te contar. Disse à tua mãe que não queria ver-te, que tinha muito tempo,
quando acordasses.
Quando acordasses.
Por isso esperei cá fora, esperámos cá fora, de lábios
apertados e mãos em novelo. Entrava um de cada vez por quinze minutos com
limite de três visitas por dia. Um-quinze-três.
Eu não ia roubar-lhes esse espaço. Um-quinze-três.
E estive sempre calma porque tu ias
regressar. Dêem-lhe tempo, dizia. Ela precisa de tempo.
Recordo-me que nesse dia usava, por casualidade, um xaile
preto. E estava numa relojoaria a pôr uma pilha nova num relógio de infância. Era
um Flik Flak cor-de-rosa. Faltava meia hora para o meu primeiro dia de trabalho.
E então recebi o telefonema.
Está tudo bem, menina?
Estava abafado e eu vim para o meio da rua. Tentei ligar-lhe
mas acho que ele não atendeu, não sei. Então fiquei à espera. Era estranho que
passassem carros e pessoas e que houvesse prédios e um céu azul. E vi, no meu
relógio velho com pilha nova, como numa ampulheta, os minutos a passar, até que
a minha nova vida começasse.
No primeiro dia depois de tudo eu fiquei sem nada. E tu não
podias saber. Não podias saber da gaiola aberta. Não podias saber do silêncio
dele como coisa que se cerra nem da minha desistência. Nunca pudeste saber da
barba como um rio e de tudo o que se seguiu depois. Lisboa, meu amor. Lisboa.
Ele reapareceu-me naquele domingo e segurou-me com força o
tempo todo. Estava toda a gente lá. Eu levava o xaile preto e calças novas - fui
ao teu funeral elegante como uma garça.
Continuei, paciente, a espera, desde então.
Já passaram três anos e talvez passem muitos mais. Tenhas tu a forma que
tiveres, reconhecer-te-ei quando conseguir encontrar-te.
E a minha-nossa vida poderá, enfim, recomeçar.
Texto vencedor por Richard Teixeira:
Naquela manhã normalíssima de
Outono, num apartamento comum, ouviu-se um grito estridente que atravessou a
manhã.
- Aiiiii, que dor de cabeça - disse só para mim enquanto me olhava ao
espelho do wc.
- Aiiii, porra que se passa - gritei alto. Senti-me logo a tombar,
fletindo pelos joelhos, com as mãos suadas e apertando fortemente as têmporas
grisalhas...
Rodopiei como uma folha de Outono
e contorci-me numa dor agonizante, pensei de imediato que ia morrer.
Depois foi como se me pusessem um
pano de seda branco à frente dos olhos, via a vida em slow motion e sentia um forte zunido nos ouvidos, sentia sangue na
boca, na guelra, sentia uma espada cravada no crânio, profunda.
- João, João! Que tens? Ai meu deus - disse Maria, minha mulher.
Naquela manhã normalíssima, nos
cuidados intensivos do Hospital.
PI...PI...PI...
- Sr.º Doutor penso que o
conseguimos salvar! Os sinais vitais estão estáveis. A operação correu bem -
disse Teresa, a enfermeira.
- Sr.ª Enfermeira, não sei se alguma vez ele será o mesmo - disse
Jorge, o médico.
PI...PI...PI...
- Epá estou tão cansado! Que se passa comigo? Tenho os olhos tão pesados que não os consigo abrir - disse eu.
- Não me consigo mexer, merda! - Que é isto que tenho enfiado no nariz? -
Que PI PI PI irritante é este? Porra, onde estou? Quem
está ai?? Que cama é esta?
PI...PI...PI...
- Sabe, o seu marido teve uma aneurisma muito forte - disse Teresa, a
enfermeira, ouvi baixinho entre o chorar triste de Maria.
- Ele recupera? Diga-me que sim, por favor - disse Maria, minha
mulher.
- Não sabemos sinceramente - disse Teresa, a enfermeira.
(alguns dias depois)
PI...PI...PI
- Maria és tu? Amor, ouve! Estou aqui, estou bem, estou-te a ouvir, a
sentir tudo, estou vivo! Vem aqui, aproxima-te, quero sentir o teu cheiro, os
teus cabelos, a tua pele novamente...
- Maria vem aqui! Beija-me agora, abraça-me! Vou-te fazer uma mulher à
modos, vem, vamos viajar sós por aí, vem, vou trabalhar menos, nem te deixo
sozinha pelos cantos, vem vá, se me deres um beijo talvez acorde quem sabe...
quero nascer outra vez...
- Maria por favor não deixes desligar a máquina que me mantém vivo! Sou
eu o teu Jorginho. Vem, quero nascer, quero renascer o nosso amor. Vem, prometo
ser teu amigo, fiel!
- Vou fazer-te feliz novamente...
PIPIPIPIPIPIPIPIPIPIPIPIPIPIPIPPIPIPIPIPIPIPIPIPIPIPIPIPIPIPIPIPIPIPIPIPIPIPIPIPIPIPIPIPIPIPIPI